terça-feira, 31 de maio de 2011

Código florestal, natureza e a identidade do brasileiro*

A primeira conferência mundial sobre meio ambiente (a “mãe” da ECO-92) ocorreu em 1972, na Suécia. Na ocasião, impulsionada pelo desenvolvimentismo em voga, a ditadura brasileira se opôs a qualquer tipo de restrição à poluição. De fato, apresentou um cartaz que dizia: “Bem vinda à poluição, estamos abertos a ela. O Brasil é um país que não tem restrições. Temos várias cidades que receberiam de braços abertos a sua poluição, porque o que nós queremos são empregos, são dólares para o nosso desenvolvimento”. O resultado prático surgiu na década seguinte: Cubatão recebeu o “título” da cidade mais poluída do mundo.
Passados quase quarenta anos de Estocolmo, a mesma postura é demandada, a da falta de restrições, agora para as questões do campo. O movimento de alteração do Código Florestal Brasileiro propõe um arcabouço legal que incentiva o agronegócio a continuar a ser feito da maneira mais barata e grosseira possível, atribuindo a própria incompetência às restrições que são “impostas pelo meio ambiente”.
O comportamento não é novo. Em 1799, José Vieira Couto já denunciava essa ignorância: “O agricultor olha ao redor de si para duas ou mais léguas de matas, como para um nada, e ainda não as tem bem reduzido a cinzas já estende ao longe a vista para levar a destruição a outras partes. Não conserva apego nem amor ao território que cultiva, pois conhece mui bem que ele talvez não chegará a seus filhos". Assim, a prática de agricultura “moderna” proposta por aqueles que querem a destruição das florestas brasileiras se repete há centenas de anos.
Se há algo que pode ser trazido de novo para complementar o que já foi exposto nos diversos protestos realizados contra a modificação do Código Florestal, pelas associações científicas do Brasil (SBPC e ABC), que reclamam não ter sido ouvidas; pelos últimos ministros do meio ambiente; é o clamor de milhões de brasileiros, sem cargos e instituição, que sentem que estão perdendo algo e protestam a sua maneira, com adesivos nos veículos, camisetas e cartazes artesanais ou ainda por meio das mídias sociais.
Essa reação ‘silenciosa’ por pessoas com um ‘nó na garganta’não surpreende. O meio ambiente faz parte do brasileiro, da identidade do brasileiro. Nascemos todos em um país “gigante pela própria natureza”, cujos “campos têm mais flores” e “os bosques têm mais vida”. Natureza essa que, mesmo sob os olhares da legislação ambiental e dos Códigos Florestais de 1934 e 1965, tem sido barata e covardemente destruída. O brasileiro sabe e sente isso. Como colocou Milton Nogueira em sua carta (ver http://www.cartacapital.com.br/carta-verde/as-florestas-sao-de-todos-os-brasileiros), as florestas não podem se tornar uma reserva material do agronegócio. Elas são de todos, dos “indígenas, perfumistas, escritores, botânicos”, minhas e suas, das presentes e futuras gerações.  

* Uma versão do presente artigo foi publicada no Jornal A Gazeta de Ribeirão, no dia 31 de maio de 2011.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O peru na porta do forno

Meu pai brincava com um dito popular argentino:
Hasta aqui vamos fenómeno, decía el pavo en la puerta del horno
(“Até aqui estamos indo muito bem, dizia o peru na porta do forno”). Acho que vale uma nota explicando que o peru (“pavo”) na Argentina é considerado um animal não muito inteligente; usa-se como insulto, como aqui usamos “burro”.
É ou não é o que estão fazendo? Estamos quase literalmente na porta do forno e essa corja de inomináveis vota um código que vai empurrar a assadeira e fechar a porta, é isso???
Esta tarde fui a um curso que estou fazendo, que se chama “Uma gestão cultural transformadora”. Fala de cultura, de gestão pública, de política pública. É ótimo. Ministrado pelo Célio Turino, no Museu da Imagem e do Som de Campinas, gratuito.
A aula de hoje era sobre “cidadania cultural, identidade, empoderamento”. Começou com um vídeo. Era o depoimento de um homem da floresta. Extrativista, vivia da coleta de castanha do Pará, da qual ele mesmo fazia diversos sub-produtos; do cipó, que usava para fazer cestos; e da madeira já “derribada”, como ele dizia, morta, para fazer artesanato. Falou de como a floresta lhe permitia ter uma boa vida. De como a floresta é valiosa. Falou que nos anos 80 o município onde ele vive tinha 85% de floresta, e agora só restam 20%. Questionou a lógica não solidária pela qual uns têm tanto e outros tão pouco. Pediu à platéia que reveja seu papel como consumidores de madeira. E falou também que ele tinha medo, porque tinha gente que não gostava que ele defendesse a floresta. Mas que ele não desistiria de defendê-la enquanto tivesse forças para andar. Não sei se as palavras foram exatamente essas. Para quem quiser conferir:
http://www.youtube.com/watch?v=78ViguhyTwQ&feature=youtu.be
Quando acabou o vídeo, Célio disse que esse homem se chamava Zé Claúdio, e que havia sido assassinado ontem. Mesmo dia da votação do Código Florestal. Sua esposa também. Ela ia se formar em pedagogia daqui a dois meses. Poderia ter sido mais uma educadora a contribuir com processos pedagógicos sob outro ponto de vista, o de quem vive na floresta. Dizem que “deu na Globo”, mas eu não tinha visto. E ali mesmo eu chorei toda a minha indignação, minha tristeza, minha raiva, minha impotência.
E me lembrei de quando eu era criança. Devia ter uns dez anos, estava na quinta-série. Uma professora de história contava os mandos e desmandos de um rei e uma rainha de algum país que agora não me lembro qual era (França, talvez?). A professora falava da comida, do ouro, do palácio, dos servos, de todas as extravagâncias praticadas pela família real e a nobreza (ou, a corja de puxa-sacos), e do mar de plebeus que, do outro lado, padeciam de fome, frio, miséria e humilhação. E eu me perguntava: se os plebeus eram muitos mais, por quê não faziam algo? Como era possível que não pudessem se rebelar, mudar as coisas?
Volto à nossa realidade. Somos 190 milhões de brasileiros (é isso?). Temos umas poucas centenas de supostos representantes que – sem entrar no mérito de terem sido eleitos pelo povo - não nos representam. A verdade é que não estão nem aí para o bem comum, coletivo, brasileiro, planetário. Representam apenas seus interesses, e o que é pior, apenas os mais imediatos. Porque têm a lógica da acumulação tão profundamente inculcada em sua forma de viver que não conseguem enxergar que os chamados “ambientalistas” não estão defendendo interesses próprios, mas sim interesses coletivos - inclusive de quem se opõe a eles! Ou esses caras, seus filhos e netos não vão precisar beber água nem comer daqui a alguns anos?
Quero dizer que não quero aceitar que não possamos frear o que está acontecendo. Mesmo que, dos 190 milhões de brasileiros, 185 milhões estejam alheios ao debate, e achem que este não lhe diz respeito - e os outros 5 milhões? Os caras são “apenas”  410! Nós temos a internet, as redes sociais (coisa que os plebeus da história que me angustiava na quinta série não tinham), os telefones, os celulares, as TVs que transmitem em tempo real...há de haver um caminho!
Temos que encontrar, urgentemente, as áreas de afecção (isto foi da aula do Célio), isto é, onde um movimento afeta o outro e o potencializa – movimentos culturais, sociais, de educação ambiental, popular, étnicos – vamos nos comunicar e mostrar uma força maior. E dar nosso recado para que a Dilma use o poder que lhe foi conferido (lembremos que ela também foi eleita pelo povo brasileiro) e vetar esta catástrofe.
A esperança é a última que morre. Vamos tentar algo mais ou vamos ouvir a porta do forno bater com a gente dentro?

Maria Castellano é Engenheira de Produção

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O QUE PODEMOS FAZER PELO CÓDIGO FLORESTAL

“Dormia...
A nossa Pátria Mãe tão distraída,
Sem perceber que era subtraída,
Em tenebrosas transações...”
Chico Buarque de Holanda

Hoje acordei de sobressalto pensando no Código Florestal e com esta letra de música na cabeça... e o que é pior, o nome da canção é “Vai Passar”!
Então é isto? Vão votar o PL 1.876/99 e vai passar?
Ontem à noite entrei no site da Câmara dos deputados para saber o resultado de uma consulta pública que pedia a opinião dos cidadãos brasileiros sobre a votação, e 93% das pessoas optavam pelo adiamento para uma melhor discussão de tema tão relevante, apenas 7% defendia uma votação imediata. Isto traduz bem o que tem representado as propostas de alteração do Código Florestal até agora: o interesse de uma minoria. 
Ainda assim, estão conduzindo as votações! Estes são os nossos representantes?!
Ouve-se o discurso de que a proposta do Aldo Rebelo pretende olhar pelos pequenos proprietários rurais... mas será que é isto mesmo?
O atual Código Florestal já garante que o pequeno proprietário rural compute na Reserva Legal os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, aceitando inclusive espécies exóticas. Também permite sobrepor Área de Preservação Permanente e Reserva Legal quando a soma das duas exceder a 25% da área da propriedade ou 80%, de acordo com a localização da mesma. A averbação é gratuita e o pequeno proprietário tem os procedimentos para a comprovação de necessidade de conversão de florestas para uso alternativo do solo em áreas anteriormente desmatadas, simplificados.
Ou seja, os pequenos já possuem benefícios no atual Código Florestal! Necessitamos sim, de Políticas Públicas para facilitar o acesso a estes direitos!
Deste modo, percebemos que o que se deseja de fato com o PL 1.876/99, é estender os benefícios dos pequenos para os grandes proprietários, latifundiários que certamente terão vantagens ao desmembrar suas propriedades em módulos fiscais. Além disto, a proposta altera as definições de Interesse Social, Utilidade Pública e Manejo Florestal Sustentável, possibilitando que praticamente qualquer atividade se enquadre em um desses conceitos. O Programa de Regularização Ambiental (PRA), isenta de responsabilidade todos aqueles que desmataram e utilizaram ilegalmente determinadas áreas que deveriam ser protegidas. Em outras palavras, joga na incredibilidade toda a legislação ambiental Brasileira!
Muitos outros itens presentes na proposta em votação no Congresso, comprometem as florestas brasileiras, e com isto, põe em risco a biodiversidade, o equilíbrio ecológico dos biomas, a segurança climática do planeta, a disponibilidade de água, a qualidade do ar, o controle natural de pragas, etc.
Nada de novo... . Mais uma vez o Brasil “Pátria Mãe”, e agora, o Mundo todo, estão perdendo para os interesses de alguns poucos gananciosos.
O que tem de diferente agora?
Tem a voz daqueles que não querem deixar isto acontecer, não outra vez!
Mas que força temos nós?
Primeiro, precisamos de um acesso efetivo aos meios de comunicação. Pelo menos na mesma quantidade que aqueles que defendem o PL 1.876/99 estão tendo! Precisamos passar a mensagem de que o caso em questão, não tem nada a ver com o que o Sr. Aldo Rebelo costuma dizer em suas falas: “Pequenos x Legislação atual” ou “Comida x Árvores”. Até porque, está mais do que provado que a questão alimentar se resolve com melhor distribuição de renda, maior aproveitamento das áreas já destinadas à agricultura, uso de tecnologias sustentáveis, etc.
Segundo, devemos promover um processo de disponibilização de informações contextualizadas, que possam propiciar à população uma apropriação do conhecimento das leis e das razões que motivaram sua existência (equilíbrio e sustentabilidade ambiental), para que as opiniões sejam formadas de forma consciente e a participação no processo de decisão seja qualificada. As pessoas não podem ser manipuladas! 
Terceiro, precisamos fazer um corpo-a-corpo com os nossos deputados e senadores, para que eles sejam esclarecidos sobre o tema e percebam que o voto deles em relação ao Código Florestal, influenciará na reeleição.
Quarto, não podemos nos deixar vencer pelo cansaço diante de notícias tão desanimadoras.
E finalmente, “pelo amor dos meus filhinhos” (que ainda nem nasceram), peçam para seus parentes, amigos, colegas de trabalho, o padeiro da esquina, ou seja lá quem for que você saiba que vota sem pensar nas conseqüências..., que nas próximas eleições, não mantenham no poder estes políticos que defendem os interesses de uma minoria em detrimento de questões essenciais para a sobrevivência do planeta.
E que todos aqueles que se importam, nos ajude a gritar agora! 
Este é o desabafo e a súplica do momento.

Isis Akemi Morimoto – Ecóloga, Analista Ambiental do IBAMA, doutoranda do Procam/USP.