quarta-feira, 25 de maio de 2011

O peru na porta do forno

Meu pai brincava com um dito popular argentino:
Hasta aqui vamos fenómeno, decía el pavo en la puerta del horno
(“Até aqui estamos indo muito bem, dizia o peru na porta do forno”). Acho que vale uma nota explicando que o peru (“pavo”) na Argentina é considerado um animal não muito inteligente; usa-se como insulto, como aqui usamos “burro”.
É ou não é o que estão fazendo? Estamos quase literalmente na porta do forno e essa corja de inomináveis vota um código que vai empurrar a assadeira e fechar a porta, é isso???
Esta tarde fui a um curso que estou fazendo, que se chama “Uma gestão cultural transformadora”. Fala de cultura, de gestão pública, de política pública. É ótimo. Ministrado pelo Célio Turino, no Museu da Imagem e do Som de Campinas, gratuito.
A aula de hoje era sobre “cidadania cultural, identidade, empoderamento”. Começou com um vídeo. Era o depoimento de um homem da floresta. Extrativista, vivia da coleta de castanha do Pará, da qual ele mesmo fazia diversos sub-produtos; do cipó, que usava para fazer cestos; e da madeira já “derribada”, como ele dizia, morta, para fazer artesanato. Falou de como a floresta lhe permitia ter uma boa vida. De como a floresta é valiosa. Falou que nos anos 80 o município onde ele vive tinha 85% de floresta, e agora só restam 20%. Questionou a lógica não solidária pela qual uns têm tanto e outros tão pouco. Pediu à platéia que reveja seu papel como consumidores de madeira. E falou também que ele tinha medo, porque tinha gente que não gostava que ele defendesse a floresta. Mas que ele não desistiria de defendê-la enquanto tivesse forças para andar. Não sei se as palavras foram exatamente essas. Para quem quiser conferir:
http://www.youtube.com/watch?v=78ViguhyTwQ&feature=youtu.be
Quando acabou o vídeo, Célio disse que esse homem se chamava Zé Claúdio, e que havia sido assassinado ontem. Mesmo dia da votação do Código Florestal. Sua esposa também. Ela ia se formar em pedagogia daqui a dois meses. Poderia ter sido mais uma educadora a contribuir com processos pedagógicos sob outro ponto de vista, o de quem vive na floresta. Dizem que “deu na Globo”, mas eu não tinha visto. E ali mesmo eu chorei toda a minha indignação, minha tristeza, minha raiva, minha impotência.
E me lembrei de quando eu era criança. Devia ter uns dez anos, estava na quinta-série. Uma professora de história contava os mandos e desmandos de um rei e uma rainha de algum país que agora não me lembro qual era (França, talvez?). A professora falava da comida, do ouro, do palácio, dos servos, de todas as extravagâncias praticadas pela família real e a nobreza (ou, a corja de puxa-sacos), e do mar de plebeus que, do outro lado, padeciam de fome, frio, miséria e humilhação. E eu me perguntava: se os plebeus eram muitos mais, por quê não faziam algo? Como era possível que não pudessem se rebelar, mudar as coisas?
Volto à nossa realidade. Somos 190 milhões de brasileiros (é isso?). Temos umas poucas centenas de supostos representantes que – sem entrar no mérito de terem sido eleitos pelo povo - não nos representam. A verdade é que não estão nem aí para o bem comum, coletivo, brasileiro, planetário. Representam apenas seus interesses, e o que é pior, apenas os mais imediatos. Porque têm a lógica da acumulação tão profundamente inculcada em sua forma de viver que não conseguem enxergar que os chamados “ambientalistas” não estão defendendo interesses próprios, mas sim interesses coletivos - inclusive de quem se opõe a eles! Ou esses caras, seus filhos e netos não vão precisar beber água nem comer daqui a alguns anos?
Quero dizer que não quero aceitar que não possamos frear o que está acontecendo. Mesmo que, dos 190 milhões de brasileiros, 185 milhões estejam alheios ao debate, e achem que este não lhe diz respeito - e os outros 5 milhões? Os caras são “apenas”  410! Nós temos a internet, as redes sociais (coisa que os plebeus da história que me angustiava na quinta série não tinham), os telefones, os celulares, as TVs que transmitem em tempo real...há de haver um caminho!
Temos que encontrar, urgentemente, as áreas de afecção (isto foi da aula do Célio), isto é, onde um movimento afeta o outro e o potencializa – movimentos culturais, sociais, de educação ambiental, popular, étnicos – vamos nos comunicar e mostrar uma força maior. E dar nosso recado para que a Dilma use o poder que lhe foi conferido (lembremos que ela também foi eleita pelo povo brasileiro) e vetar esta catástrofe.
A esperança é a última que morre. Vamos tentar algo mais ou vamos ouvir a porta do forno bater com a gente dentro?

Maria Castellano é Engenheira de Produção

2 comentários:

MDamata, Embu das Artes disse...

Reflexão urgente e mais que pertinente!
O advento das redes sociais virtuais, e-mails, celulares...tudo dá impressão que estamos mais conectados, pode até ser...mas sinto falta de mais mobilizações em espaços públicos! Tenho observado um certo esvaziamento dos comícios de protesto, ou show-mícios, para que possamos encaminhar propostas, articular coletivos. Talvez precisemos reinventar essas mobilizações, pois a disputa pela pauta midiática é enorme - inclui-se aí a internet, tb!
Aliás, cheguei aqui, pq alguém no Face compartilhou o link! rs
Ecoabrzo

MDamata, Embu das Artes disse...

Não sou otimista qto as decisões do planalto -principalmente qdo se trata de agendas como a do Meio Ambiente!
Mas, eu acredito em nossa força!
Ecobeijos