Deixo claro aqui que é difícil fazer sugestões por escrito, de forma que o texto abaixo não deve ser entendido como um texto com começo, meio e fim mas um conjunto de ideias que me pareceram pertinentes no momento da leitura do projeto de lei. Assim, desde já me coloco a disposição para esclarecimentos.
Vou de pronto parabenizar o vereador envolvido com esse projeto de lei e sua abertura para conversa pública. Espero que este processo coletivo não seja apressado e que sejamos capazes de construir uma lei que incorpore nela não só as necessidades específicas da cidade como também os pontos de vista dos atores envolvidos, sejam eles servidores públicos, membros de ONGs, educadores em geral, etc.
Sou pesquisador na área de educação ambiental e políticas públicas e já vi vários exemplos de políticas de EA municipais que não sairam do papel porque foram resultado de processos de bastidores e não ficaram conhecidas pelo público em geral, pelos educadores ambientais do municipio e nem pelos servidores públicos que posteriormente seriam envolvidos no processo de implementação da política pública. Assim, o envolvimento genuíno dessas diferentes partes no processo não só traz a ele maior legitimidade como também viabilidade e relevância. Espero que, no caso de Ribeirão Preto, assim seja!
Um outro esclarecimento é que tomei contato com o projeto de lei pelo facebook e não tenho qualquer conhecimento prévio sobre o seu processo de construção, se foi construído por uma ou várias pessoas, se foi construído em um dia ou um ano (ou mais) etc. Portanto, muitos dos meus comentários partem inferências que eu estou fazendo.
Por fim, deixo claro que minhas intenções aqui são de colaborar com essa construção. Não tenho afiliação partidária e milito na área de educação ambiental. Farei algumas críticas abaixo ao projeto de lei com a única intenção de colaborar com a sua melhora. Não tenho, portanto, a inteção de ser rude e nem agressivo. Se em algum momento parecer assim, esclareço desde já que esse não é meu objetivo.
O meu texto abaixo foi escrito de forma rápida, em intervalos das minhas tarefas aqui no Canadá (estou fazendo doutorado sanduíche). Portanto, não está editado e vai apresentar erros que eu espero não o torne chato demais, como repetições de palavras e etc. Por favor levem isso em consideração e vamos lá.
1. De primeira
vista achei que o texto está um pouco confuso, no sentido de misturar campos
diferentes e também conceitos diferentes. Sugeriria, por exemplo, a comparação
do conceito de desenvolvimento sustentável, presente no projeto, pelo de
sociedades sustentáveis. Me parece que os conteúdos do projeto estão em
consonância maior com este segundo, mas no que aparece no projeto é o primeiro.
2. Também
achei um pouco confuso no texto da lei no que parece que ela mistura um pouco
de objetivos de práticas de educação ambiental com práticas de gestão
ambiental. Apesar de próximos e com algumas sobreposições, esses dois campos
são diferentes. O de educação se preocupa com a formação de pessoas. O de
gestão com a solução de prevenção de problemas. Em alguns momentos do texto
isso fica confuso e eu sugiro uma revisão nesse sentido. Só para destacar, não
faz sentido, na lei, destacar a questão dos resíduos sólidos. Se a própria lei
está promovendo uma compreensão sistêmica das questões ambientais, porque dar destaque
para resíduos sólidos? Há várias questões no município que deveriam ser
destacadas também: água, aquífero guarani, arborização urbana (falta de),
mobilidade urbana. São tantos que não faz sentido destacar um deles.
3. Acho que o
texto deveria separar melhor, talvez em capítulos, as partes da política. Isso
para deixar claro o que são princípios, os que são objetivos, o que são
instrumentos e etc. Principalmente esses últimos me parecem dispersos. Os
instrumentos de uma política são os meios pelos quais ela será implantada.
Quais são os instrumentos deste projeto de lei?
4. Senti
também falta de ligação deste texto com textos “maiores” como a lei da política
nacional de EA e também o programa nacional de EA. Esses dois sugerem e já
testaram, por exemplo, instrumentos que podem ser interessantes de serem
replicados na cidade: projeto de coletivos educadores, com-vidas, formação de
comunidades interpretativas e de aprendizagem e etc. Seria enriquecedor para a
nossa lei fazer esse tipo de conexão. E, é claro, pensar em outro instrumentos,
como por exemplo o de incorporar processos educadores ambientalistas nos
processos de licenciamento ambiental que são desenvolvidos pelo município. Isso
é muito possível de se fazer e incorporaria no projeto um aspecto que em geral
fomenta muitos processos de formação em educação ambiental (já que quem está
fazendo o licenciamento possui recursos para o desenvolvimento também de
atividades de EA).
5. Achei
contraditório sugerirmos uma lei que dê um olhar holístico para a educação
ambiental mas que componha um órgão gestor com apenas uma secretaria. Sugeriria
a composição de um órgão gestor mais amplo, já que a lei vai se referir à
educação formal (escolas) e informal. A secretaria do meio ambiente não tem
competência para atuar na área da educação formal. Consequentemente, toda a sua
função como órgão gestor não poderia atingir, por exemplo, o conteúdo do artigo
17. Por exemplo, se for um projeto a ser implantado nas escolas, a SMA vai
coordenar isso? Assim, sugeriria um órgão
gestor formado por pelo menos essas duas secretarias, a exemplo do órgão gestor
da política nacional, formado pelo MMA e MEC.
Da mesma forma, eu sugeriria que o texto da lei contemplasse que sejam lá quais forem as secretarias que formarão esse órgão gestor, que elas tenham educadores ambientais contratados para isso (não precisa ser exclusivamente para isso). Ressalto que já passou da hora da educação ambiental deixar de ser vista como um olhar amador e ser levada realmete a sério. Cursos "ambientais" (como biologia, geografia, agronomia, ecologia e etc) não formam educadores ambientais. Formam biólogos, geógrafos, etc. Em geral (e novamente indico aqui que não quero ser rude, eu mesmo sou biólogo) formam profissionais com pressupostos que são apenas parcialmente compartilhados pela educação ambiental. Precisamos de profissionais que tenham o olhar técnico mas que sejam competentes para lidar com a questão pedagógica, que é o coração da educação ambiental. Essa é mais uma justificativa para a sugestão de formar um órgão gestor composto pela secretaria do MA e Ed.
6. Para a
composição Comissão Multidisciplinar de Educação Ambiental, sugeriria que ela não fosse
apenas não governamental, mas que fosse simplesmente multidisciplinar. É
importante trazer para a conversa professores em atuação e gestores públicos,
por exemplo, além de ONGS. Há uma realidade institucional na execução de
políticas públicas que precisa ser contemplada na composição e execução de
programas e projetos. Manter uma comissão não governamental não colabora para a
aproximação entre os universos governamental e não governamental e não ajuda a
gente a compreender as questões na sua totalidade. O município de Suzano, por
exemplo, criou uma Comissão Interinstitucional que conta com a sociedade civil
e também com servidores públicos. Tem muita gente boa e experiente no universo
público que precisa ser contemplada.
Sugeriria ainda que a formatação dessa comissão e também a sua forma de
funcionamento fossem definidas na regulamentação da lei e que a lei previsse
isso. Inclusive que a lei previsse que essa comissão devesse passar por
processos formativos continuados, para que sejam capazes, com excelência, de
compreender e compartilhar aspectos que serão de sua competência, que serão da
esfera pedagógica, ambiental, pública (já que é uma política pública) e também
que ajude o grupo a funcionar como um grupo. Abundam os exemplos de comissões
do tipo que não conseguiram cumprir suas funções simplesmente porque o grupo
não conseguia trabalhar como um grupo. E isso não vai ocorrer naturalmente.
Isso precisa ser aprendido.
Por fim, acho que as demandas para esta comissão, que é voluntária,
instituídas nos incisos abaixo são muito pesadas. É preciso uma participação em
tempo integral para que os componentes dessa comissão sejam capazes de fazer
tudo isso. Apesar de eu achar que essas propostas sejam boas, acho que são
pesadas para a comissão, a não ser que ela tenha uma secretaria executiva a
disposição para os trâmites burocráticos. No caso das conferências, acho que
deveriam se dar em espaço bienal, para dar tempo de organização e também para
que projetos amadureçam.
§ 3º. Compete à Comissão Multidisciplinar de Educação Ambiental a que se
refere o parágrafo anterior:
I - apresentar, até 30 de abril de cada ano, propostas de
projetos, com os respectivos dimensionamentos de recursos, para fim de
subsidiar os projetos de leis orçamentárias;II - assessorar o órgão gestor na promoção de uma conferência
anual de avaliação da política municipal de educação ambiental, com a presença
de representantes do setor público, da sociedade civil e das empresas que
desenvolvam iniciativas de educação ambiental; eIII - propor, até 15 de janeiro de cada ano, um tema a ser
priorizado nas campanhas de educação ambiental.§ 4º. Sem prejuízo do disposto no inciso lII do parágrafo
anterior, toda e qualquer ação desenvolvida ou apoiada pelo Poder Público
Municipal no âmbito da política estabelecida por esta Lei deverá comportar
métodos de monitoramento e avaliação.
7. Os artigos 18 e 19 entre outros, destacam as secretarias inclusas no
projeto de lei. Senti falta da secretaria da saúde. As pastas da saúde estão
começando a trabalhar com um conceito que é o de cidades saudáveis, que na
minha opinião é o mais integrador para a área ambiental, além de ser facilmente
compreendido e também mensurável (muito mais do que sustentabilidade). Uma
cidade saudável certamente será uma cidade ambientalmente adequada. Além disso,
a pasta da saúde está desenvolvendo o campo da vigilância em saúde ambiental. Esses
vigilantes formariam excelentes educadores ambientais (o município de SP tem um
exemplo muito bom disso). Considero essa união fundamental, tanto do ponto de
vista de abrangência de ação quanto de aproveitamento de estruturas que já
existem.
8. O parágrafo único do artigo 15 termina com a palavra incentivará. Isso é
muito vago e não significa nada. Acho que a gente precisa de uma postura mais
pró-ativa do poder público municipal. Incentivar pode ser, simplesmente, uma
palavra de apoio.
9.Nos trechos do texto que se referem à educação formal, acho que há
várias coisas inclusas que não competem a uma prefeitura, como por exemplo a
formação de professores. A cidade não possui uma faculdade de formação de
professores. O texto do artigo 14 compete ao MEC e já está incluso na política
nacional (sem muito sucesso). O parágrafo único deste artigo sim, contempla a
prefeitura e deve ser mantido.
10. Por fim, acho que está faltando uma definição clara de orçamento. De
onde virão os recursos para a educação ambiental do município? Por que compor
um fundo de Educação ambiental que seja nutrido por recursos de multas, por
exemplo. Por que não incluir a Educação ambiental em projetos de licenciamento
ambiental local (os RARAMS) e trazer recursos desses processos para a educação
ambiental. Como realizaremos conferências se não temos recursos? Por que não
atrelar a EA formal à recursos da SME? A SME é a secretaria mais rica de um
município. A parte dos recursos ficou muito difusa e isso é ruim.
Acho que é isso no momento. Agradeço desde já a paciência de todos e me coloco a disposição. Mais uma vez, tenho o maior interesse de que possamos produzir uma política municipal que seja referência para o país, não só pelo resultado mas também pelo seu processo.
Daniel Fonseca de Andrade
dfa@usp.br
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