quarta-feira, 15 de abril de 2009

Virando a sustentabilidade de cabeça para baixo

Um dos aspectos muito presentes nas discussões acerca de sustentabilidade ocorridas durante a Conferência Mundial da Unesco sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável é a questão do combate à pobreza extrema. De fato essa meta, primeira das metas do milênio, carrega consigo a idéia de que a existência da pobreza extrema é um obstáculo para a sustentabilidade. Por mais verdadeira que possa ser, considero que a questão deve ser vista de forma mais crítica do que acontece normalmente. Explico:

O foco dos debates no combate à pobreza, primeiro de tudo, mantém a percepção de que os principais entraves à sustentabilidade estão nos países do hemisfério sul, enquanto que é notoriamente sabido e reconhecido, inclusive pelos representantes dos países "do norte", que isso não é possível, já que estes últimos são, de fato, os grandes consumidores da natureza. Mesmo assim, os olhares e o foco das discussões, apesar de todos os problemas a serem enfrentados no norte, se mantém no sul: mexe-se com um lado do problema enquanto que o outro continua como está. O sul continua com a culpa. E aí a lógica é a mesma: o norte precisa transferir tecnologias e informação e etc. para o sul....

Em segundo lugar, este enfoque mantém também uma percepção de que a pobreza (do sul ou de qualquer lugar) é um fenômeno auto-criado e independente e que portanto a atuação deva se dar "lá" no sul. A pergunta que se levanta então (e que eu expus abertamente nas minhas participações no grupo das "Vozes Jovens" e nos workshops sobre consumo sustentável e formação de professores) é a seguinte: a pobreza extrema não é uma criação da riqueza extrema? Os dois não são intrínsecamente relacionados de forma que quando se cria a segunda automaticamente se cria a primeira ? Desse modo, o combate à pobreza extrema não deveria se dar por meio do combate à riqueza extrema? Não deveria ser o combate à riqueza extrema, ao invés da pobreza extrema, então, a meta do milênio? Não estaríamos nós discutindo a sustentabilidade de cabeça para baixo?

Considero essa posição importante por várias razões: a primeira delas, mais óbvia, de finalmente discutirmos as raízes da pobreza e, ao localizarmos suas origens, de fato podermos atuar para resolver o problema, e não só para atuar; a segunda delas, porque o enfoque na pobreza extrema mantém a riqueza extrema como o horizonte de sucesso para os jovens do mundo, sendo justamente o excesso de consumo o motor da insustentabilidade. Portanto, o enfoque mais aberto no combate à riqueza colaboraria para a sustentabilidade também por trazer uma nova mensagem, a de que a sua busca não deva ser perseguida. Isso tudo parece óbvio, mas mudaria por completo as motivações de vida da grande maioria dos habitantes do planeta. O que vocês acham?

2 comentários:

Philippe disse...

Essa é uma posição sensata e corajosa, e que precisa mesmo ser explicitada. Quando Sachs aprofundou o termo "Ecodesenvolvimento", ele deixou claro que a dimensão social da sustentabilidade seria atingida simultaneamente pelo combate à pobreza e riqueza, porém, com a chegada do termo "Desenvolvimento Sustentável" com o Relatório Brundtland, apagou-se o combate à concentração da riqueza e tornou-se imoral apenas a existência da miséria e pobreza. Trata-se afinal de contas, de combater a desigualdade, que é a relação entre a distância insustentável dessas duas pontas.

Parabéns Daniel pela pela clareza de percepção e pela ousadia em destacar essa afirmação.

Vivi Laguna disse...

oi Daniel e demais seguidores... concordo com sua posição e também com a do comentário anterior ao meu, mas gostaria de salientar outro enfoque (misturando o ecológico com o ecossistêmico), que os aportes (recursos: humanos, naturais e econômicos) ao sistema devem e são "metabolizados" pelos subsistemas, e estes estabelecem relações entre si e trocam "metabólitos". Nestas relações, parte é trocada/transformada, parte é "perdida" (sumidouro). Ao final do ciclo existe os produtos que saem do sistema maior. No caso, os subsistemas podem ser entendidos como os países, estados, municípios, organizações, e até mesmo indivíduos, que vivem (metabolizam) uns mais que outros e escolhem onde e com quem vão trocar ou acumular riquezas. Os governos de certa maneira são parceiros destes pois recebem tributos destas transações e deveriam direcionarestes recursos para os subsistemas com menos metabólitos. Nesta linha de raciocínio o problema não está na falta ou deficiencia de um gestor/regularizador/direcionador dos exedentes de um sub-sistema em relação aos outros? Ou melhor os fatores não são multiplos e devem ser atacados em conjunto?