sexta-feira, 16 de julho de 2010

A função do Estado na pós-modernidade

O texto abaixo foi escrito a partir da leitura do capítulo 4 do livro “Pela Mão de Alice” , de Boaventura de Souza Santos. O desafio é estabelecer qual deveria ser a função do Estado no sentido de fomentar o fortalecimento e a conexão de comunidades locais no sentido de tornarem-nas atuantes em suas localidades.

O capítulo da obra de Boaventura é em grande parte escrita com um olhar específico para Portugal, um país semi-periféfico na organização do capitalismo mundial. No entanto, compreende-se aqui que esse país compartilha diversas condições com o Brasil, de forma que se compreende como válida a tarefa de uso dos elementos levantados no texto para uma discussão brasileira.

Segundo o autor, algumas promessas da era da modernidade foram cumpridas em excesso e outras não foram cumpridas. Naquelas cumpridas em excesso estão a difusão e valorização da capacidade técnica da humanidade para atuar sobre a natureza (incluindo-se aí o próprio ser humano como natureza) e dos mecanismos de mercado, que foram catapultados sobremaneira a partir da década de 70 do século XX, com o desenvolvimento dos meios de comunicação e das tecnologias da informática e cibernética. A modernidade deixou de fora, no entanto, aspectos ligados à democratização política dos sistemas políticos e à distribuição de renda. O escritor Daniel Yanchelovich resume muito bem os resultados desse processo: somos hoje gigantes tecnológicos e anões sociais.

O Brasil, assim como Portugal, pode ser considerado um país semi-periférico. Isso significa que aqui se encontram convivendo cotidianamente elementos presentes em países centrais (modo de vida nas grandes cidades, altas tecnologias, mercados de luxo etc) e também pré-modernos, considerados pela cultura moderna como ilustrativos de países “atrasados”, que vão desde pobreza extrema até a permanência de formas de vida que não se inserem por completo no que se espera pela cultura ocidental (por exemplo, pequenas propriedades rurais de subsistência, existência de um mercado de troca de mercadorias, desinteresse de elementos tecnológicos, vida comunitária integrada, almoços em família etc).

Acontece que, terminado o século, XX começa a ocorrer uma revalorização de vários daqueles aspectos que a cultura ocidental por muito se esforçou em substituir, pelo entendimento de que permitem, no fim das contas, uma vida mental, individual, comunitária e social mais saudável, além de serem ambientalmente mais adequados. Ilustra o que foi dito a comparação da importância comunitária e para a saúde de um indivíduo de um almoço em família (característica pré-moderna, ineficiente do ponto de vista do mercado) e um almoço “fast-food”, que caracteriza a vida “moderna” e que, no entanto, promove profundas alterações nos tecidos comunitários e também na saúde das pessoas, além das condições ambientais adversas de produção. A essas relações sociais estabelecidas e mantidas lentamente no cotidiano, sem pressa ou interesses escondidos, chamamos hoje de capital social.

Assim, se o Brasil é um país que, aos olhos do mundo, não é considerado desenvolvido, porque não entrou “com os dois pés” na modernidade, por outro lado começamos a reconhecer a riqueza presente aqui desse “capital social”, desse valor mais raro nos países centrais, que está ligado a uma identidade histórica e por laços comunitários de confiança e de solidariedade. Laços esses também frágeis e a todo momento sob risco de quebras.

Diante do colocado, reconhecem-se aqui algumas funções importantes para o Estado brasileiro:

Primeiro de tudo, o reconhecimento e valorização desse capital social, da sua importância histórica e nas escolhas que modelarão os futuros do país. Assim, não podemos mais ter como modelo de “avanço” a destruição do capital social, das peculiaridades locais, da diversidade.

Em segundo e em fluida conexão com o primeiro, que a atuação do Estado sobre aqueles elementos pré-modernos e que carregam consigo ainda características consideradas normais nos séculos anteriores ao XX (uso de mão de obra infantil, manutenção de condições de vida miseráveis para pequenos produtores rurais) seja de se permitir a melhoria nas condições de vida dos envolvidos, mas que isso não signifique um atentado às formas de vida e à coesão social da comunidade. Entende-se aqui, à luz de Wolfgang Sachs , que a (falta de) renda é apenas um dos aspectos que caracterizam a pobreza de um indivíduo e uma sociedade, mas que há outros tão importantes quanto, como a participação nas decisões políticas, a sensação de pertencimento comunitário, a segurança indentitária etc.

O terceiro aspecto compreendido aqui como importante para a atuação do Estado é no sentido de se criarem condições que ampliem a participação do cidadão comum nas decisões políticas que o influenciarão, ou seja, à democracia participativa. Isso deve ser feito com a criação ativa de espaços e fóruns de participação e decisão locais, que, portanto, considerarão e inserirão os valores locais nas decisões tomadas. A complexidade do mundo atual, a velocidade de produção e difusão de informação diminuem cada vez mais a possibilidade de atores agirem sozinhos e demandam o estabelecimento de novas articulações. A história separou o Estado do cidadão comum e esse diálogo necessita ser fomentado.

Para Boaventura de Souza Santos, o caminho rumo a um modo de vida pós-moderno está no reconhecimento das limitações da modernidade e promover rupturas nos modos de pensar e fazer valorizem aquilo que se tem. Com é citado em seu texto: “é importante conhecer a nossa história mas é igualmente importante conhecer a diferença da nossa história”.

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